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Conto

Sabrina volta para casa

Por Ana Bonassera

Ao longe se avistava um Céu escuro, a tempestade se aproximava.

 

Fora um dia muito conturbado, as pessoas só puderam vir, em sua maioria, no início da noite. Ouvia-se a chuva cair no teto quando fez uma pequena fila para ver a pessoa falecida naquele ataúde brilhante. Muita gente conversava sobre vários assuntos, mas a Morte estava sempre presente. Em alguns momentos alguém se esquecia da situação e soltava uma breve gargalhada, depois se recompunha rapidamente, era um velório, tinha de respeitar o morto e os presentes. Alguém tomava chá esperando a vez de falar com um parente ou amigo para dar as condolências. Lá fora a água caia mais forte e num canto uma menina estava sentada sozinha.

 

As pessoas chegavam e saíam, outras se prestavam em ficar a noite para acompanhar. Quando a chuva diminuiu, a menina parou na porta para sentir o ar fresco que vinha de fora, era um contraste que atraia para longe dali. Alguém disse para entrar, podia se resfriar. Então ela olhou na direção do ataúde brilhante, marcou a distância e deu um passo, mas não teve coragem de seguir. Ainda não tinha se despedido da pessoa, porém em vez disso, sentou-se lá fora observando a chuva agora fina na luz dos postes da rua. Decidiu ir para casa, encontrar-se com sua mãe, ouvi-la reclamar para tirar o uniforme da escola, lavar os pratos...

 

Alguém disse que a previsão do tempo era de muita “água rolando” nos próximos dias, bom para quem gosta de umidade e falta de Sol. Um quarteirão abaixo da funerária ela deu uma última olhada, fechou os olhos e seguiu para casa. No entanto, não se lembrava ao certo do caminho, estava sonolenta e sozinha. Não era um caminho comum como o de casa à escola, ao supermercado ou à casa das amigas, era um labirinto cretense, poderia surgir um minotauro em qualquer esquina. Debaixo de chuvisco, seguiu caminho mesmo assim.

 

Fazia frio, sua roupa estava um pouco molhada, quem sabe não deveria voltar. Não. Ela tinha de chegar em casa, suas lembranças a puxavam para o lar. À frente, sentado na calçada, sem se preocupar com a chuva, alguém que ela conhecia parecia estar perdido em pensamentos, ela se aproximou aos poucos para ter certeza, e se fosse pediria para indicar o caminho. Ao invés disso, sentou-se, seu amigo comentava sobre sua mãe, dizia que o mundo que conheceu estava perdido nas sombras e que precisava achar uma maneira de se despedir. Mas não conseguia. A chuva aumentava mais um pouco. Você é uma alma inocente, dizia ele para a menina, hoje você está livre para ir onde quiser, só não desapareça.

 

Sabrina seguiu caminho, sem olhar para trás, em outros tempos não ficaria sozinha. Agora estava mais frio e a água caia com mais intensidade, ventava um pouco e a iluminação se apagara. Na escuridão sozinha, ela percebeu que seus sonhos estavam mortos, que deveria engarrafar seus sentimentos, tudo seria novo agora. Mas não. Não é isso que ela desejava, a resposta estaria em casa e sua mãe lhe diria tudo.

 

Quando ela parou debaixo de um toldo para fugir da chuva, mais alguém também esperava. Ele a conhecia desde que nasceu, conhecia sua mãe e seu pai, tinha amigos em comum, contudo Sabrina não se lembrava dele. Garota, dizia ele, não deixe sua vida morrer num outono. Olha essa chuva que cai, as pessoas se atraem por mim, mas não me percebem, minha vida ficou para trás há muito tempo. Você tem de acordar, pois um dardo arremessado a tornará uma pessoa de humor frágil. E você só tem 11 anos. Sabrina sabia que devia voltar à funerária, alguma coisa dela foi deixada lá no ataúde brilhante, mas o barulho da chuva, a umidade flutuando sob seu nariz, a água escorrendo pelo chão parecia sugá-la para casa.

 

Sabia que você poderia não ter nascido? Sabrina o olhou com desconfiança, como que perguntando: como assim? Sua mãe foi candidata a amor de minha vida! Você poderia ter sido minha filha, mas fiz escolhas diferentes das dela, continuamos nos vendo até você nascer. E hoje está claro que nossos caminhos têm de ser os mais distintos possíveis. Não nos veremos mais, só te peço para não enlouquecer, a vida segue apesar de tudo.

 

Naquele instante a chuva diminuiu bruscamente, a menina estava ensopada, com frio, sonolenta, nem percebeu quando ele foi embora. Pena que não o reconheceria se o visse outra vez, suas vidas se cruzaram num ponto cego, num momento obscuro. Já não bastava aquele dia catastrófico, o pior de sua vida, agora conhecidos desconhecidos lhe davam conselhos sobre a vida. E ela sabia que deveria segui-los, mas não os entendia. Ela seguiu a rua e já percebia familiaridades no caminho, estava perto de casa, estava perto de sua mãe...

 

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